sexta-feira, 23 de julho de 2010

Crescer a brincar (o desenvolvimento a partir dos 6 anos)

"A criança que não brinca não é uma criança, mas o homem que não brinca perdeu para sempre a criança que vivia em si e que lhe fará muita falta."
(Pablo Neruda)

Como cantava Rui Veloso "O prometido é devido" e assim hoje vamos falar sobre o brincar (ou não!?) e o desenvolvimento das crianças a partir dos seis anos de idade.

É por volta desta idade que a criança entra na idade escolar. A entrada para a escola primária é sempre uma grande transformação e um marco na vida da criança que se vê obrigada a deixar para trás um mundo pleno de brincadeiras e diversão para encarar o mundo sério (e diga-se na maioria das vezes bastante aborrecido para uma criança tão pequena) dos livros, do aprender a ler, dos horários rígidos... Daí ser muito importante ter a certeza que a criança está preparada para dar este grande salto, não só em termos cognitivos e de desenvolvimento neurológico mas também do ponto de vista psico-afectivo, sendo por vezes, em caso de dúvida, necessária uma Avaliação Psicológica. Digo isto porque assistimos mais frequentemente a uma entrada cada vez mais precoce das crianças para a escola primária,muitas vezes por pedido dos pais, esqueçendo-se estes, nestes casos, que brincar é uma tarefa muito importante e que prepara adultos mais capazes e que a maioria das crianças não beneficia em nada da entrada na escola cedo de mais.

Atente-se que o problema não está, de forma alguma, na entrada para a escola em si, mas sim no facto de hoje em dia, e apesar de termos cada vez mais estudos na área da Psicologia do Desenvolvimento , a pedagogia e a psicologia das crianças andarem de costas viradas. Por exemplo, como podemos compreender, do ponto de vista psicológico, que uma criança irrequieta passe o intervalo de castigo dentro da sala em vez de ir para o recreio correr ou dar uns saltos, mesmo dentro da sala, de forma a "despejar" as suas energias para poder depois concentrar-se nas aulas? As escolas necessitam assim de reactualizar os seus horários escolares intercalando o tempo de concentração e de atenção com actividades físicas energéticas tendo sempre em atenção as necessidades de cada criança, que são sempre diferentes.

É muito importante ter em consideração que a criança precisa de um horário equilibrado com espaço para actividades físicas, intelectuais e sociais, para actividades lúdicas e escolares. É impreterível que a criança tenha actividades organizadas e com regras mas é igualmente importante ter actividades livres.

No dia-a-dia das nossas escolas muitas vezes se esquece o lúdico e é essa questão que os estudiosos da área querem resgatar. Pensar na actividade lúdica enquanto meio educacional, ou seja, utilizar o jogo como instrumento de trabalho, como meio para atingir objectivos predeterminados. Pois através do jogo a criança fornece informações, podendo o lúdico ser útil para trabalhar o desenvolvimento global e até mesmo conteúdos curriculares específicos.

Entre os seis e os dez anos de idade o mundo enche-se de relações, informação, valores, espaço e escolhas. Agora pode-se explorá-lo e construi-lo de forma mais autónoma. O grupo, o desafio e a amizade conduzem a nossa vida. Deixando a criança de ser o centro do mundo (egocentrismo), os únicos sujeitos da acção pois agora compreendem que os outros também possuem objectivos próprios. Nesta fase há também um salto na capacidade de pensar e reflectir sobre as próprias acções, o que possibilita a auto-avaliação. O pensamento adquire a capacidade lógica concreta, o que possibilita as aprendizagens escolares.

O interesse pelo mundo real e concreto aumenta, sendo muito normal que as crianças mostrem entusiasmo em visitar o quartel dos bombeiros, uma estação de televisão, a redacção de um jornal, etc. Aliás, as crianças interessam-se cada vez mais por jogos realistas que reproduzem as situações do dia-a-dia. Veja-se o exemplo da loucura que tem sido em Portugal Continental a Kidzania, que é no fundo uma cidade construída à escala das crianças onde estas podem simular a vida real dos adultos, trabalhando em diferentes profissões e ganhado KidZos para depois poderem aceder aos diferentes serviços da cidade.

Começa a brincadeira cooperativa e o trabalho em equipa e inicia-se o jogo de competição mas, tal como nos refere António Coimbra de Matos, grande Psiquiatra e Psicanalista Português, no jogo podem existir adversários mas não inimigos, a relação é amigável de colaboração e/ou competição sendo construtora da identidade única e singular, do auto-conceito e imagem de si próprio Com efeito, no jogo, a criança pode ensaiar tanto as regras estabelecidas pela sociedade como as variantes dessas regras. Durante o jogo, a criança pode escolher aceitar ou discordar de determinadas "regras", fomentando o seu desenvolvimento social. A actividade lúdica oferece, muitas vezes, a oportunidade de aprender sobre a gestão de conflitos, a negociação, a lealdade e as estratégias, tanto de cooperação como de competição social. Os padrões sociais praticados durante o jogo são padrões de interações sociais que as crianças poderão futuramente utilizar nos seus encontros com o mundo. As crianças antes dos 8 anos gostam de jogar apenas se ganharem mas com o passar do tempo aprendem a perder e a ganhar, com civismo e humildade.

A escola, a família e os amigos são os espaços de relação de excelência para aprender a pensar… Relacionando os saberes com o mundo das suas vivências aprende-se! Encontram prazer na relação, para aprender a gostar de nós e a gostar dos outros. É ainda nesta fase que surgem as grandes perguntas pela primeira vez e em que se constrói a Consciência moral e o Ideal do Eu.

Em suma, neste período é importante aprender: a gerir os conflitos e as frustrações; a conciliar, a argumentar; a gerir as derrotas e a comemorar as vitórias.

Este período de crescimento e desenvolvimento prepara a puberdade e a Adolescência.

PERGUNTAS CHAVE:
 
Quais deviam ser algumas das preocupações da escola primária ?
 
A escola primária devia ter em conta que a criança precisa de um horário equilibrado com espaço para actividades físicas, intelectuais e sociais, para actividades lúdicas e escolares. É impreterível que a criança tenha actividades organizadas e com regras mas é igualmente importante ter actividades livres e fisicas.
Pensar na actividade lúdica enquanto meio educacional.
 
Quais os marcos fundamentais do desenvolvimento dos 6 aos 10 anos?
 
x Aumento da autonomia e do poder de escolha;
x Importancia do grupo e da amizade;
x Maior interesse pelo mundo real e concreto;
x Pensamento lógico-concreto;
xBrincadeira cooperativa e jogos de competição;
xConstrução da Consciência Moral e do Ideal do Eu.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Crescer a brincar (o desenvolvimento dos 0 aos 6)

“Para ela (a criança) aprender é uma brincadeira e toda a brincadeira lhe ensina alguma coisa.”

(Bacus)
 
Hoje vamos continuar a explorar juntos o tema do Brincar, aproveitando-o para conhecer um pouco melhor o desenvolvimento infantil . Assim, esta semana vamos falar das crianças dos 0 aos 6 anos e daqui a quinze dias falaremos então dos mais crescidos (dos 6 anos em diante).

Através da observação de uma criança a brincar podemos, entre muitas outras coisas, aceder ao seu nível de desenvolvimento. Com efeito, a brincadeira é um forte testemunho das capacidades da criança. Como segura os objectos, como se desloca, que estratégias utiliza para atingir os seus objectivos, como reage ao insucesso e ao sucesso, como interage com os outros e lida consigo mesma, são alguns dos muitos parâmetros a ter em conta.

Novas etapas do desenvolvimento da criança significam novas formas de estruturação da brincadeira e novos interesses. Para podermos brincar com os nossos filhos de forma gratificante e promovendo a sua capacidade para brincar e aprender é importante ter em conta: a criança em si, as principais fases de desenvolvimento e o que está em jogo em cada uma delas. Só assim será possível adequar a brincadeira à criança em questão.

De qualquer forma, não nos podemos nunca esquecer que cada criança é um indivíduo único e irrepetível, com o seu ritmo, preferências e interesses específicos que necessitam de ser respeitados.

Durante o primeiro ano de vida o mundo chega ao bebé através do seu próprio corpo e da relação com o outro, permitindo o conhecimento do corpo, do espaço e dos Pais ou cuidadores.

Assim, dos 0-6 meses é a descoberta do corpo e do ambiente. A criança observa os seus pés e mãos, leva-os à boca, toca-os e explora as características sensoriais do que a rodeia: as cores, o brilho, o movimento, as texturas…

Dos 6 -18 meses torna-se mais activa, começa a agarrar, a fazer gestos, a mudar de posição e a deslocar-se. Inicia-se a viagem da descoberta, os jogos de manipulação e os jogos de exercício.

Este é o período sensório-motor, que vai desde o nascimento até um ano e meio de idade. O mundo de interacções, cheiros, paladares, sons e imagens moldam a sua identidade.

Durante este período é fundamental que pais e adultos protejam e estimulem, aproveitando para fomentar a curiosidade natural do bebé, dêem colo, cuidem e criem ritmos, regras e hábitos, incitem a observar, a escutar, a tocar e a deixar-se tocar, aprendendo que há o eu e o outro. É nesta fase que se dá a Vinculação; a aquisição da permanência do objecto, ou seja, o bebé ser capaz de procurar um boneco, por exemplo, quando a mãe o esconde atrás das costas ou sentir prazer ao jogar ao cucu, por saber que apesar de o pai ter a cara escondida que ele não se foi embora; e a angústia do estranho, pois o bebé começa a reconhecer quem lhe é familiar e quem não o é.

Durante os segundo e terceiro anos de vida de uma criança o mundo "cresce" e pode ser explorado em movimento, a criança passa a concretizar-se através da acção. Adquire-se a capacidade de iniciar o jogo pré simbólico, brinca-se de forma convencional e posteriormente de forma imaginativa. Descobre o mundo concreto dos objectos, sendo capaz de os utilizar pela sua função. Por exemplo, as meninas dão de comer às suas bonecas com a colher e o seu pratinho. De seguida, começa a imaginar novos usos para os objectos iniciando o jogo de faz-de-conta, podendo representar mentalmente algo que não está presente, por exemplo através de um desenho ou livro. Esta é a fase que se quer das novas descobertas, da viagem exploratória ao mundo dos sentidos. Devendo-se incentivar que a criança brinque na areia, na terra, com água ou com gelo; que apanhe florinhas ou bichinhos do chão… É também importante jogar com os sons e as palavras, brincar com o humor, moldar plasticina, jogar às escondidas, etc. Nesta etapa é fulcral ( mais uma vez) que pais e adultos protejam e estimulem, dêem colo, criem ritmos, regras e hábitos, mas que também agora imponham limites, sabendo dizer não. A criança tem ainda de aprender a reconhecer o Eu e Outro. O mundo de relações, cheiros, paladares, sons, imagens e segurança explorado em movimento molda a sua identificação. A autonomia "Eu sou capaz!" é adquirida bem como o poder de dizer sim ou dizer não.

Nos quarto e quinto anos de vida o mundo é a relação com os pares e os modelos de comportamentos e atitudes para fazer de conta e experimentar. A criança desenvolve os seus cenários de brincadeira, usando a imaginação e o disfarce, basta um lençol para fazer de fantasma ou um lenço para ser super-homem, sendo também já possivel dar a papa à boneca no prato e na colher imaginária, por exemplo... O mundo torna-se mais rico de relações e é explorado em movimento, em pensamento e afecto. Adquire-se a capacidade de pensar com lógica concreta, o que já lhe permite jogar com os conceitos.

O jogo simbólico do faz de conta de comportamentos e atitudes e as actividades lúdicas de grupo e destreza são agora muito importantes. Tudo o que deseja ou imagina é real pelo que, por volta dos 4 anos, tem grande dificuldade em distinguir a realidade da ficção, aliás o que não compreende imagina. Com efeito, é a idade dos medos e dos pesadelos.

Nesta fase continua a ser essencial que pais e adultos protejam e estimulem, dêem colo, criem ritmos, regras e hábitos,sabendo agora também dizer não e sim, como e porquê, pois assim estão a ensinar os filhos a perguntar e a fazer.

Nesta fase da vida a criança depende ainda muito do adulto, mas pensa mais com o coração e a sua noção de tempo é já, pelo que lida mal com a frustração. Os Pais são os Mestres do mundo e Eu estou no centro do Universo (egocentrismo).

Com efeito, as crianças "quando brincam, têm direito a ter a vista na ponta dos dedos, a cheirar, a sentir, a falar, a rir ou a chorar. Não há, brinquedos maus! A não ser aqueles que servem para afastar as pessoas com quem se pode brincar."(Eduardo Sá). E a nossa função enquanto pais é a de estar lá: para com elas brincar, as proteger e estimular, dando-lhes colo e limites, ao mesmo tempo (o que não é fácil!), ensinando-lhes a sonhar mas também a perguntar e a saber-ser e a saber- fazer, se possível aproveitando cada instante do seu crescimento e todas as suas novas e maravilhosas pequenas-grandes descobertas. Eles crescem num piscar de olhos!
 
PERGUNTAS CHAVE
 
 Quais os princípios orientadores para os pais brincarem com os seus filhos?
 
1. Conhecer bem o nivel de desenvolvimento e os interesses do seu filho;
2. Ter tempo para observar;
3. Ter tempo para brincar;
4. Ter tempo e espaço para deixarem que os vossos filhos vos guiem;
5. Ter tempo para ser criança!

Quais os marcos fundamentais do desenvolvimento dos 0 aos 6 anos?

x No 1º Ano de Vida : Vinculação, Permanência do objecto, Angústia do estranho;
x Nos 2º e 3º Anos de Vida: Autonomia: “Eu sou capaz!, Poder: a importancia do sim e do não;
x Nos 4º e 5º Anos de Vida: Socialização, Egocentrismo, Triangulação: Eu, nós e eles, Poder: A importância das palavras não, eu e sim.